Um Paço de diferentes compassos

Folião mirim estimulado a dar seus primeiros passos de frevo. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Começo este texto admitindo publicamente que um dos passeios mais frustrantes que fiz na vida foi a visita ao Louvre. O motivo? O volume de obras e informação que faz o admirador de arte querer morar no local até ter observado milimetricamente cada uma das obras, suas descrições e outras informações e mídias disponíveis sobre elas. Uma tarde em um lugar como aquele é suficiente apenas para você se sentir perdido em meio a tantos estímulos.

Ontem ao visitar o Paço do Frevo fui tomada pela mesma sensação de que precisarei voltar outras vezes para ler o grande volume de informações sobre o Frevo, tão bem distribuídas em um edifício tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), situado em uma das esquinas que contornam a graciosa Praça do Arsenal da Marinha no Bairro do Recife.

Eu gosto de Carnaval. Obviamente não sou das folionas mais ávidas porque não aguento muito o pique, mas sou uma fiel admiradora de toda e qualquer manifestação popular que represente alegria, principalmente aquelas em que o trabalho do povo está fortemente envolvido. Trabalho este motivado pelo simples desejo de atender a si mesmo. Trabalho do povo, para o povo! E eu gosto do povo. Acho lindo ver os “anônimos” adquirirem status de “famosos”, mesmo com toda polêmica que esses dois rótulos podem carregar. Os acordes do frevo nunca me incomodaram. Na verdade, quando os ouço eu sei que se aproxima uma troça de gente simples, feliz e arteira, empenhada em lançar alegria pelo caminho, mesmo quando muitos fecharam sua trajetória com grades e camisetas padronizadas em prol de um carnaval que, ao meu ver, é totalmente fake. Acredito ainda que aquele que atira pedras no Carnaval, apoiado pelo discurso da violência, é alguém que nunca desceu do seu prédio para sentir o vento batendo em seu rosto nas ruas do Recife Antigo, trazendo com ele papel cintilante picado que reflete as luzes da avenida, assim como as pedras do calçamento ou os paetês dos estandartes, enquanto o Bloco da Saudade passa bem do seu lado, vindo até a cidade sua fama mostrar. Enfim, respeito quem não se identifica com a festa, mas não aquele que não reconhece nela um dos retratos mais bonitos do povo brasileiro.

Voltando ao Paço. Gente, que coisa linda! Não deixa nada a desejar em relação aos grandes centros culturais europeus que visitei recentemente. Muito pelo contrário, arrisco dizer que as cores e a vista para o mar e para o Bairro do Recife o deixam até mais encantador que, por exemplo, o Centre Pompidou de Metz.

Fachada do Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

O belíssimo prédio de três andares abriga exposições, pontuais e permanentes, estúdio de gravação e escola de música. O ingresso custa R$ 6,00 e há meia entrada para idosos e estudantes. Se você estiver sem grana, passe por lá mesmo assim. Há uma área do térreo que é aberta ao público. Nela há diversas telas exibindo vídeos com depoimentos de artistas ligados ao frevo como Antônio Nóbrega, Antúlio Madureira, Alceu Valença e muitos outros. Reserve tempo caso queira ver um a um. Ah! De acordo com a política de gratuidade do centro cultural, a entrada é gratuita para todos às terças-feiras.

Espaço térreo do Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Fotografias de Pierre Verger. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Créditos das imagens de Pierre Verger. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Ao adquirir o ingresso você poderá adentrar aos diversos ambientes concebidos pela cenógrafa Bia Lessa. No corredor de entrada, ao lado esquerdo, você pode observar a excepcional obra de Pierre Verger (sim, sou fã e muito suspeita para falar) em fotografias que mostram o Carnaval do Recife nos anos 40 e 50. As fotografias mostram o povo brincando na rua. São passistas de frevo, gente fantasiada, caras pintadas ou simples foliões que usavam seus garda-chuvas para se proteger do sol. Toda a obra de Verger é emocionante e eu aconselho muito o acesso ao seu acervo. As imagens específicas do Carnaval no Recife você acessa aqui: http://www.pierreverger.org/fpv/index.php/br/espaco-foto/fototeca/category/593-carnaval

Primeiro caderno de informações da linha do tempo da História do Frevo. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Disposição dos cadernos da linha do tempo. Em destaque o retrato de Sebastião Lopes, 1949. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Do lado direito a parede lousa traz, sobre as mensagens deixadas por quem já visitou a exposição, a linha do tempo da história do frevo que vai de 1900 a 2014. Para cada ano foi montado um caderno com ricas informações que podem ser manuseados pelos visitantes. Conselho de amiga: monte uma agenda para acessar caderno a caderno. A leitura é hiper interessante com textos ilustrados e informações que merecem a leitura, uma a uma. Dos que tive a oportunidade de abrir e ler no pouco tempo em que ficamos por lá, destaquei, em fotos, trechos que achei legal compartilhar. 

Informação destacada de um dos cadernos da timeline do Frevo. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

A timeline começa no corredor e segue até a primeira sala para visitação que, além dos cadernos, possui um livro central que ao ser manuseado toca trechos de frevos relacionados com o texto. Na sala, em que todas as paredes são de lousa, a leitura dos cadernos é embalada pelo som de metrônomos (marcadores de compasso) que eram utilizados pelos compositores de frevo. No chão, relógios marcam os horários de diferentes cidades do mundo.

Sala da linha do tempo da História do Frevo. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Sala da linha do tempo da História do Frevo. Em destaque o livro interativo. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Sala da linha do tempo da História do Frevo. Em destaque o metrônomo, instrumento utilizado para medição de compasso musical. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Sala da linha do tempo da História do Frevo. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

A área em que estão situadas as escadas e elevadores traz a justificativa da iniciativa, a meu ver, a parte mais emocionante de toda a exposição. Só a primeira frase já me fez amar todo o projeto. Muito bem escrito e muito bem justificado. Bravo!

Justificativa do projeto. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

No primeiro andar há um estúdio de gravação e uma escola de música. Fomos informados que já há oficinas e workshops em andamento. No segundo andar, área que receberá exposições pontuais, está instalada a exposição “São José: territórios do frevo” que apresenta o importante papel do bairro na história do frevo e do carnaval recifense. Na sala há diversos documentários em vídeos com mais uma série de informações importantes. Neles os protagonistas são os moradores do bairro, gente repleta de história e de muita disposição em compartilhá-la. É lindo e é emocionante. Também nesse ambiente há uma instalação eletrônica com um coração que pulsa de acordo com o compasso do frevo, além de recortes de jornais antigos, entre eles a primeira menção da palavra frevo em um jornal impresso, todos os recortes muito divertidos.

Exposição “São José: territórios do frevo”. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Exposição “São José: territórios do frevo”.  Em destaque o primeiro jornal a mencionar a palavra frevo com data de 9 de fevereiro de 1907. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Exposição “São José: territórios do frevo”. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Exposição “São José: territórios do frevo”.  Em destaque nota de solicitação publicada em jornal em que os moradores pedem ao bloco a passagem por sua rua. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

O terceiro andar é o maior ambiente do Paço. O corredor de acesso ao piso de vidro apresenta o “Glossário do Carnaval”. Nele é possível escolher entre os termos expostos e interagir em busca dos seus significados.

Acesso ao terceiro andar. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Glossário do Carnaval. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Piso de vidro em que estão expostos estandartes antigos dos blocos. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

O Glossário do Carnaval conduz você ao piso de vidro sob o qual estão expostos estandartes antigos dos principais blocos de carnaval da cidade. Nas paredes mais imagens registradas por diferentes fotógrafos, todas organizadas em eixos temáticos como “A mulher nos blocos” e “Concursos”. Mais horas a serem investidas caso se queira observar com cuidado cada bloco temático e cada registro. Todas as janelas desse ambiente oferecem uma vista incrível do Bairro do Recife, o diferencial para os outros prédios da região é que você vai buscar a vista através das letras das canções impressas nos vidros das janelas.

Exposição permanente de Flabelos e Estandartes. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Exposição permanente de Flabelos e Estandartes. Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Centenas de imagens em exposição permanente no terceiro andar do Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Letras de frevos impressas nas janelas do terceiro andar do Paço do Frevo no Recife. Foto: Karla Vidal

Eu fiquei feliz e fiquei muito orgulhosa de ter um espaço como esse fixo na cidade. Com certeza voltarei e levarei todas as pessoas queridas que visitarem a cidade comigo. Lembrei muito da exposição “Baixio dosDoidos” que esteve em cartaz no São João de Caruaru em 2012 e da qual já falei aqui no blog, Aquela também merecia espaço fixo assim como o Paço do Frevo.

Para mais informações: http://www.pacodofrevo.org.br/


Observação: para evitar o uso indevido das imagens, optei por disponibilizá-las em média resolução. Caso haja interesse na utilização de alguma das imagens dessa postagem, não hesite em manter contato através do e-mail karlagvidal@gmail.com. Costumo autorizar a maioria das solicitações de uso de imagem desde que devidamente creditadas.

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